Política

Crise do capitalismo exige rupturas e inovação progressista, apontam especialistas em São Paulo

Durante a conferência “Dilemas da Humanidade”, intelectuais de diversos países defenderam o fim do neoliberalismo, a construção de alternativas soberanas e a centralidade da justiça social para o Sul Global.

A crise estrutural do capitalismo e do neoliberalismo, aprofundada pelas desigualdades sociais, pelo colapso ambiental e pela instabilidade política, exige novas respostas. Foi a partir dessa premissa que diversos pensadores progressistas de diferentes partes do mundo se reuniram em São Paulo, durante a conferência “Dilemas da Humanidade”, para discutir saídas concretas e inovadoras para o impasse civilizatório atual.

Um dos consensos que emergiu ao longo dos debates é de que o avanço da extrema direita não deve ser creditado ao fracasso de governos progressistas, como muitas vezes se argumenta, mas sim às contradições e falhas do próprio modelo neoliberal. A economista equatoriana Magdalena León, da rede REMTE, lembrou que é o próprio neoliberalismo que pavimentou o caminho para a ascensão de discursos ultraconservadores, ao promover concentração de riqueza, destruição de formas diversas de trabalho e produção, e a hegemonia de uma lógica empresarial que reduz a vida à rentabilidade.

Para ela, é hora de recuperar e atualizar experiências progressistas, reinterpretando antigas propostas com foco em uma economia voltada para a vida, e não apenas para a acumulação. Isso envolve repensar a matriz produtiva, os modelos energéticos e o próprio conceito de inovação, tradicionalmente atrelado à obsolescência e destruição do que veio antes.

O historiador Vijay Prashad, do Instituto Tricontinental, também defendeu uma nova agenda estratégica para governos de esquerda, capaz de combinar teoria marxista atualizada, dados empíricos e planejamento nacional. Para ele, não basta chegar ao poder – é necessário ter instrumentos teóricos e políticos à altura dos desafios, especialmente diante da dependência de mecanismos como o FMI.

Nesse sentido, Prashad propõe um resgate do conceito de “socialização do trabalho”, que articula integração global, produtividade e libertação humana, incluindo elementos como capital circulante, comércio internacional, qualificação profissional e investimento em ciência e tecnologia.

Outro destaque veio do economista marroquino Najib Akesbi, que defendeu uma ruptura progressiva – mas firme – com as amarras do sistema financeiro internacional. Entre suas propostas estão: reorganizar as finanças públicas, combater privilégios e corrupção, e lançar as bases para uma economia mista, produtiva e solidária, com forte atuação do Estado e planejamento de longo prazo.

A questão racial, sobretudo no contexto da África do Sul, também ocupou espaço importante no debate. Manda Radeble apontou que não é possível combater o racismo sem confrontar o capitalismo – sistemas que, historicamente, caminham lado a lado. Já Duma Gqubule, jornalista sul-africano, criticou os ajustes fiscais que limitam políticas sociais e destacou a necessidade de um plano nacional de desenvolvimento com metas de longo prazo, inspirado em experiências asiáticas.

A venezuelana Andreina Tarazón, por sua vez, chamou atenção para os obstáculos estruturais que impedem a estabilidade política no Sul Global, e reforçou a urgência de reformas nos sistemas políticos para garantir inclusão, soberania e continuidade nas políticas públicas.

Ao longo das mesas, ficou evidente que enfrentar os dilemas do presente exige mais do que boas intenções: é preciso um novo horizonte político, teórico e econômico – comprometido com a justiça social, a soberania dos povos e a transição para modelos sustentáveis e igualitários. O desafio está lançado, e os caminhos começam a ser trilhados a partir da escuta, da articulação internacional e da coragem de propor o novo.

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